Opiniões

O bode expiatório no Banco Central

Se formos muito atrás no tempo, certamente vamos buscar explicações bíblicas para a expressão “bode expiatório”, mas não precisamos ir tão longe. O nosso bom e velho Aurélio já nos passa uma definição suficiente para nossos argumentos. O bode expiatório é a pessoa a quem se faz recair as culpas alheias ou a quem são imputados todos os reveses.

Na política, de tempos em tempos, o nome do bode vai assumindo a identidade que os poderosos atribuem: no momento, o partido no governo vem indicando Roberto de Oliveira Campos Neto, que atualmente ocupa a presidência do Banco Central e cujo mandato termina no final de 2024.

Em primeiro lugar, Campos foi eleito o bode do momento pois seria o culpado pelos juros altos no país, que estariam impedindo o crescimento da economia, a geração de novos empregos e a melhora da arrecadação das contas públicas.

Em segundo lugar, também é conveniente, sob certo ponto, pois como este presidente foi escolhido ainda no governo anterior, dado o sistema de independência do Banco Central, é mais um para surrar e servir de referência à “herança maldita”, expressão tão aproveitada pelos governos populistas, como o presente. Outrora, a herança vinha de Fernando Henrique, agora vem de Jair Messias.

O grande teste de Campos será na próxima semana, em 2 de agosto, quando o Banco Central irá se reunir para estabelecer o patamar de juros que perdurará até 20 de setembro, data da nova reunião; vale ressaltar que o Comitê de Política Monetária já terá 2 de seus 9 componentes indicados pelo governo atual.

E, enquanto isso, o Federal Reserve americano não hesitou em aumentar a taxa de juros esta semana, embora a inflação lá já esteja em descenso de 9,0% no meio de 2022 para 3,0% em junho de 2023. O presidente do FED alega que o desequilíbrio entre a maior demanda de bens e sua oferta, por conta da pandemia, ainda persiste, além do fato do mercado de trabalho continuar bem aquecido.

Na história, a retórica diversionista – escolha de um tema para desviar a atenção dos problemas verdadeiros – tem vários exemplos. Um dos mais próximos no tempo foi aqui na nossa vizinha Argentina que, no meio da ditadura militar, em 1982, resolveu reivindicar a posse das ilhas Malvinas (ou Falklands) para estimular o seu patriotismo e distrair a população do fracasso do modelo econômico, com tensões sociais, endividamento externo, aumento da pobreza, aliás, o mesmo quadro atual. Mas tudo isso se deu com uma invasão custosa e perda de quase 1.000 vidas, a maioria argentinos.

Curiosamente, na sequência do confronto na América do Sul, em 1983 ocorreram eleições gerais no Reino Unido, de modo que a forte reação também serviu para os brios dos britânicos, com boa repercussão eleitoral, favorável à então primeira-ministra Thatcher.

Mas voltemos ao Brasil, para verificar que a previsão dos agentes do mercado (Boletim Focus) nesta semana é de que até o final de 2023 a taxa de juros atual de 13,75% deverá cair para 12,00%, isto é, com queda de quase 2 pontos percentuais e, ao final de 2024, para 9,50%, mais 2,5 pontos percentuais, sempre na trajetória técnica de perseguir os objetivos de controle da inflação. Desta maneira, até pelo menos o final de 2024, quando será escolhido novo presidente para o Banco Central, criticar a política monetária pode se mostrar uma boa opção para não se discutir os verdadeiros e prementes problemas brasileiros, uma vez que a percepção de juros altos é sempre relativa, e 9,50% ainda poderá ser objeto de reclamação.

Quais são os verdadeiros problemas brasileiros que podem convenientemente ter suas soluções postergadas pela visão populista do governo?

O governo quer evitar, de todos os modos, diminuir as suas despesas para promover o equilíbrio fiscal, pois isso retrai a atividade econômica e altera o nível de emprego. A questão, entretanto, não é quantitativa, é principalmente qualitativa: gasta-se muito, mas de maneira ineficiente em questões básicas como educação e saúde, que poderiam melhorar as condições de vida da população.

Para isso abandonaram a política de teto de gastos e ainda não aprovaram o fraquíssimo “arcabouço fiscal”, que aparentemente apenas sinaliza a existência de uma preocupação, mas não encaminha o problema maior do desequilíbrio das contas públicas. Sem contas públicas equilibradas, não podemos atender às demandas sociais e, ainda, podemos gerar inflação, que retira poder aquisitivo principalmente da faixa da população menos favorecida. Não custa lembrar que nas atas das reuniões o COPOM – Comitê de Política Monetária, vem insistindo na falta de um arcabouço fiscal mais claro.

Tampouco se cogita organizar uma reforma administrativa que, não por acaso, teria de mexer na despesa principal do governo, que é a folha de pagamentos dos funcionários públicos, o que poderá desfazer o apoio da base governista. Esta reforma deveria estabelecer critérios de progresso meritórios baseados na maior eficiência, além de mexer com o regime de estabilidade e a aposentadoria em valor integral. Contrariamente, no emprego privado, que é a condição mais frequente, não há estabilidade e os valores das aposentadorias são limitados aos tetos do INSS.

Enquanto isso não se faz, seguiremos com o dedo indicador do governo apontado para o Banco Central, como responsável pela insatisfação popular. Não sabemos até quando esta medida vai debochar da população, já que esperamos que o presidente não queira desviar a atenção e invadir, por exemplo, imitando a aventura argentina, a ilha de Ascensão no Atlântico Sul (também no mapa acima), por enquanto pertencente ao Reino Unido.