Opiniões

Juros e antibióticos

Há muito espanto da opinião pública com as decisões do Banco Central em estabelecer as taxas básicas de juros como instrumento de política monetária, para cumprir sua missão de reduzir a inflação de preços ao estipulado pelo Conselho Monetário Nacional, ou seja, ao patamar de 3,0% ao ano, com os teto de 4,5% e piso de 1,5%.

O tema política monetária não é para leigos, é praticamente impossível apresentar as explicações fora do jargão da profissão. O Presidente da República e o Ministro da Fazenda, embora conhecedores a fundo da questão, “jogam para a plateia”, ou melhor, para seus eleitores, escalando o Presidente do Banco Central no papel de grande vilão que não faz chegar as prometidas picanhas e cervejas eleitorais no churrasco de domingo.

Em lugar de traduzir o “economês”, talvez seja mais fácil fazer uma comparação da política monetária com a medicina, ao tratar o paciente com infecção através de antibióticos.

Se procurarmos a etimologia da palavra inflação, temos latim inflatìónis, “inchação, tumor, edema, cólica etc.”, o que vem de flama ou fogo, o que não está distante da inflamação corporal, que o médico trata e descreve como uma resposta natural do organismo quando existe alguma infecção ou lesão.

O tratamento da inflação de preços pelo economista, através da elevação ou manutenção dos juros altos, equivale, assim, à prescrição de antibióticos pelo médico, ambos tratamentos com efeitos colaterais inevitáveis.

Os juros altos encarecem o endividamento das pessoas e empresas, fazem o agente econômico preferir poupar a consumir e desestimula a atividade econômica gerando desemprego, o que não é pouco. Já os efeitos colaterais comuns de antibióticos incluem desconforto estomacal e intestinal, alteração do funcionamento dos rins, do fígado, da medula óssea e de outros órgãos.

Ocorre que, tanto os juros altos quanto os antibióticos, são prescritos por períodos longos, até que, no caso da economia, a expectativa futura seja de baixa inflacionária, ou no caso do antibiótico, que a bactéria seja eliminada, sendo o tratamento prolongado mesmo quando o paciente já apresenta sinais de melhoras, para dar maior segurança ao processo e evitar uma reincidência, que pode ser até mais grave do que a doença inicial.

Pede-se, assim, paciência ao cidadão na doença econômica e na doença fisiológica.

Vejamos o que diz um trecho da Ata do COPOM sobre sua última decisão:

  • O ambiente externo se mantém adverso. Apesar da atenuação do estresse envolvendo bancos nos EUA e na Europa e do limitado contágio sobre as condições financeiras até o momento, a situação segue requerendo monitoramento.
  • Em paralelo, os bancos centrais das principais economias seguem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas, em um ambiente no qual a inflação se mostra resiliente.
  • Além disso, no período recente, notou-se a retomada do ciclo de elevação de juros em algumas economias e a sinalização majoritária de um período prolongado de juros elevados para combater as pressões inflacionárias, o que demanda maior cautela na condução das políticas econômicas também por parte de países emergentes.
  • A inflação ao consumidor se reduziu no período recente, mas mantêm-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa recuaram e encontram-se em torno de 5,1% e 4,0%, respectivamente.
  • O Comitê avalia que a conjuntura internacional se mostra um pouco mais benigna para o processo inflacionário no Brasil, mas o baixo grau de ociosidade do mercado de trabalho em algumas economias e a inflação corrente persistentemente elevada e disseminada no setor de serviços sugerem que pressões inflacionárias devem demorar a se dissipar.
  • O Comitê avalia que a dinâmica da desinflação segue caracterizada por um processo com dois estágios distintos. No primeiro estágio, já encerrado, a velocidade de desinflação foi maior, com maior efeito sobre preços administrados e efeito indireto nos preços livres através de menor inércia. No segundo estágio, que se observa atualmente, a velocidade de desinflação é menor e os núcleos de inflação, que respondem mais à demanda agregada e à política de juros, se reduzem em menor velocidade, respondendo ao hiato do produto e às expectativas de inflação futura. O Comitê reafirma que o processo desinflacionário em seu atual estágio demanda serenidade e paciência na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas.

Em termos práticos, é necessário ressaltar que a promoção de pequenas e continuadas reduções na taxa de juros, no momento considerado adequado, está de acordo com as experiências dos demais bancos centrais pelo mundo, de modo que não é razoável esperar que o Banco Central possa subitamente sair do patamar de 13,75% a.a., numa queda brusca que faria o processo inflacionário ser retomado.

Não precisamos voltar muito atrás para ver o efeito da pressão da ex-presidenta nos anos 2011 e 2012 sobre o seu então presidente do Banco Central: a redução da taxa SELIC de 12,5% para 7,25% resultou no subsequente aumento da inflação, que atingiu um pico de 10,7% ao término de seu mandato. Efeito similar pode ser observado ao longo do último governo, durante a pandemia de Covid-19, quando a redução da SELIC de 3,8% para 2% contribuiu para um forte crescimento inflacionário; convenhamos, um filme que não queremos rever, pois o desfecho é ruim na tela e na plateia.