Opiniões

Juros, Desemprego e Bravatas

Como era esperado, o Comitê de Política Monetária – COPOM – do Banco Central manteve ontem a taxa básica de juros da economia em 13,75a.a.%, em consonância com a perspectiva do mercado para o nível de inflação em 6,1% para 2023, 4,2% em 2024 e 4,0 % para 2025/2026, acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.

Como sabemos, com a independência do Banco Central desde 2021, o COPOM está desvinculado da política econômica do governo e tem uma reação mecânica previsível: se a expectativa de inflação futura está acima da meta, a autoridade monetária é obrigada a manter a taxa de juros superior à chamada taxa neutra da economia, aquela que tornaria, em tese, indiferente investir ou consumir frente a manter os recursos aplicados no banco.

Nos E.U.A, critério é parecido: o Federal Reserve aumentou a taxa de juros em 0,25%, que ficou estabelecida entre 5,00% e 5,25%, tendo se registrada a declaração de seu presidente de que embora a atividade econômica tenha se expandido em um ritmo modesto no primeiro trimestre e a taxa de desemprego tem se mantido baixa, a inflação continua elevada, de modo que não encontraram outro remédio a não ser promover a alta.

O presidente da República, não obstante ter tanto conhecimento disto quanto o leitor, afirmou em seu discurso do dia do Trabalho “a gente não pode viver mais num país aonde (sic) a taxa de juros não controla a inflação. Ela controla, na verdade, o desemprego nesse país porque ela é responsável por uma parte da situação que nós vivemos hoje”. Ocorre que a estatística mostrou justamente o inverso, a falta de correlação destas variáveis: o desemprego caiu de 14,9% em março de 2021 para 8,4% em março de 2023 enquanto a SELIC subiu de 2,0% a.a. em fevereiro de 2021 para 13,75% a.a (desde julho de 2022), praticamente na mesma época, em outras circunstâncias que invertem a teoria habitual.

Neste momento o que faz a expectativa de inflação permanecer alta? Não somente a resiliência dos dados recentes, mas o quadro de incertezas da política fiscal; o governo que tomou posse em 2023 não é firme o suficiente na determinação da contenção de gastos, seja por ideologia ou por populismo fácil que resulta desta atitude.

O novo arcabouço fiscal em tramitação visa substituir o critério do Teto de Gastos, atropelado mortalmente pela Emenda da Transição. Entre as novas regras propostas, está o limite de crescimento da despesa primária a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores (de julho a junho). Dentro desse percentual de 70%, haverá um limite superior e um piso, uma banda, para oscilação da despesa, descontando-se o efeito da taxa de inflação. Essa banda para a despesa é um mecanismo de ajuste para impedir o aumento exacerbado em momentos de crescimento econômico, e queda em caso de baixo crescimento econômico ou recessão.

Ocorre que o projeto do governo está sendo desacreditado por economistas de renome.

Segundo Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, uma das novidades da proposta do novo arcabouço fiscal foi o relaxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Pela proposta, o descumprimento das metas de resultado primário (aquele que exclui o pagamento de juros) não implicará qualquer punição ao Executivo, bastando o Presidente da República encaminhar ao Congresso uma mensagem apresentando as razões para isso e as medidas de correção. A ausência de punição enfraquece a própria regra de ajuste de despesas.

O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, por sua vez, disse que não é suficiente zerar o resultado primário (receita menos despesas, exclusive juros), “porque zerando o primário significa que nós vamos tomar dinheiro emprestado para pagar o juro direto, e o juro é esse que a gente conhece. Então é fundamental caminhar na direção de um saldo primário maior. A aritmética simplesmente não fecha”. Em outras palavras, somente focar no saldo zero primário não basta, é preciso que as despesas sejam inferiores às receitas em um montante suficiente para serem superiores às despesas considerando o pagamento dos juros.

O também ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, afirmou que as pessoas que desenharam o novo arcabouço não acreditam em responsabilidade fiscal, chegando, recentemente, a descrever o teto de gastos, como um retrocesso nos direitos humanos.

Franco lembra que as agências internacionais especializadas dão notas para o risco soberano dos países, e que precisamos de uma opinião neutra, externa e aceita internacionalmente. Hoje, a nota do Brasil é ruim, algo entre 3,5 e 4,5, numa escala de 0 a 10. Notas maiores do que 5,0 e 5,5 definem o “grau de investimento”, ou seja, os países sérios em se tratando de finanças públicas.

Não é necessário mencionar os benefícios deste desejável retorno a uma melhor qualificação, já que o avião presidencial dá voltas ao mundo com o presidente implorando por mais investimentos, o que fica dificultado pelo descontrole do endividamento.

Em vez de saneador, finaliza Franco, se o arcabouço fiscal for uma espécie de “arroz com feijão”, a nota não vai melhorar e será impossível afastar a impressão de que o governo está enrolando e viciado em irresponsabilidade fiscal.

Palavras de ordem ou bravatas em comício popular aparentemente não convencem os técnicos do Banco Central e tampouco os agentes econômicos que formam as expectativas de inflação, será necessário um compromisso mais forte: quem propõe a nova regra não pode ficar com a chave do cofre.