Opiniões

Ilha de prosperidade?

“Não conseguimos mais passar seis meses sem uma crise”, assegurou Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em seminário internacional de autoridades monetárias de diversos países, a respeito de países emergentes, mais especificamente sobre a América Latina.

Ocorre que na reunião do COPOM da próxima semana, a penúltima deste ano, será anunciada a manutenção da taxa de juros da economia ou eventualmente sua redução. A expectativa do mercado, conforme apontamentos do Boletim FOCUS semanal, prevê que a taxa Selic chegue ao final de 2023 em 11,75%, o que sinalizaria para duas reduções de 0,5% cada, considerando que hoje está em 12,75%.

Campos Neto já indicou que a sequência de reduções nos juros pode não ser aquela inicialmente prevista na última reunião no Banco Central, mas na ocasião não mencionou como o conflito no Oriente Médio, as altas taxas de juros nos EUA e o preço do petróleo podem influenciar a inflação local medida pelo IPCA, que é a base das decisões das autoridades monetárias. Vejamos:

•Os juros recordes nos EUA impulsionam para cima a taxa de câmbio R$/US$, já que o capital, quando pode, busca melhores remunerações, em termos técnicos é a chamada “arbitragem” ou o “carry trade”, e a porta de saída congestionada pressiona para cima o valor do câmbio;

•O preço do petróleo pode oscilar para cima, já que os produtores já estavam sendo influenciados pela invasão da Ucrânia pela Rússia e o Oriente Médio é grande produtor, pois o conflito atual pode ainda ter repercussões para além da zona de conflito.

Embora aparentemente distantes geograficamente, estes fatores vão se refletir no nosso IPCA, ainda que a cesta de bens cujos preços são apurados sejam os praticados no Brasil. A questão está nos preços dos produtos que tem cotação internacional, aqueles comercializáveis internacionalmente, os “tradables”, como o petróleo, cujo valor pode subir em moeda forte mesmo. O preço dos combustíveis influencia tudo que é transportado, as pessoas, bens e serviços, sendo a transmissão imediata, assim como os itens de consumo como carne, frango, trigo, soja etc., não há muito para onde correr. O exportador e importador são os mesmos que abastecem o mercado interno, que tem estes itens oscilando pela taxa de câmbio.

É sempre útil voltar atrás no tempo: em 1974, o então ministro do planejamento Mario Henrique Simonsen, ao lançar o II Plano Nacional de Desenvolvimento, declarou – mais publicitariamente do que com fundamentos econômicos que o caracterizavam – que o Brasil era “uma ilha de prosperidade” no mundo, sugerindo sua independência dos fatores externos. Em 2008, “Lula 2” foi na mesma direção, afirmando que a crise que se iniciara com a quebra do banco Lehman Brothers era um tsunami nos EUA, e aqui chegaria somente “como uma marolinha”, desconhecendo outra vez a influência externa em nossa economia.

Naqueles momentos tentava-se passar a ideia de que a conjuntura mundial não nos afetava, mas ficou claro que a suposição não tinha base técnica, assim como na crise atual que, como veremos, é lamentavelmente e dolorosamente repetitiva.

Agora, em outubro de 2023, registramos os 50 anos do primeiro choque do petróleo em 1973, não é coincidência. Os produtores na época diminuíram a produção, elevando o preço do barril de US$ 2,90 para US$ 11,65 em apenas três meses, além da OPEP proclamar um embargo petrolífero. O embargo foi direcionado às nações ocidentais que eram vistas como apoiadoras de Israel quando vários países árabes atacaram o país de surpresa no Yom Kippur, o feriado mais importante do país.

As ações do terrorismo islâmico prosseguiram em 2001, com a derrubada das torres gêmeas em Nova York pela Al-Qaeda, em 2014 com a execução do jornalista americano James Foley pelo Estado Islâmico, com os atentados ao Stade de France e Bataclan em Paris em 2015 e neste mês de outubro de 2023, com o Hamas fazendo reféns civis, incluindo bebês e idosos, depois das ações de crueldade que assustarão o mundo para sempre.

É, entretanto, um erro maniqueísta pensar que todos os islamitas são terroristas e que todos os israelenses apoiam a ocupação de territórios, seria necessário se aprofundar na questão para não gerar mais islamofobia e antissemitismo; a solução precisa vir da política e não da ação militar.

Como disse Roberto Campos, situando o Brasil neste planeta de convulsões, não passamos seis meses sem uma crise, seja no Brasil, América Latina, Europa e/ou Oriente Médio, e o COPOM vai certamente colocar estes fatos na balança de riscos inflacionários na próxima semana.