Opiniões

A que vem Javier Milei

Há uma semana os eleitores foram às urnas na Argentina para eleger Javier Gerardo Milei à presidência pelos próximos 4 anos, cuja posse está prevista para o próximo 10 de dezembro.

Após 20 anos de governos peronistas, marcados pelo aprofundamento da crise política e econômica que aflige o país há décadas, os eleitores a oeste do Rio da Prata demonstraram a insatisfação com o projeto político que se propunha a continuar caso fosse eleito o atual ministro da economia, Sergio Massa. No primeiro turno, Massa liderou o pleito com 36,7%, tendo obtido 44,3% no segundo turno, enquanto Milei, que obteve 29,9% no primeiro turno, alcançou a expressiva marca de 55,7% no segundo turno.

Muito tem se falado sobre as propostas do presidente eleito, sobretudo no campo econômico, com a expectativa de drásticas medidas, como o fim do Banco Central e o estímulo à livre moeda.

A plataforma de governo de Milei ressalta que a ascensão da classe média argentina, com a chegada dos novos imigrantes europeus, foi a responsável pelo desenvolvimento econômico do país entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, que teria sido interrompido com a ascensão política dos governos populistas e autoritários, ao inibirem a iniciativa privada com a forte presença do estado paternalista, o que resultou na grave crise econômica e social, com 50% da população abaixo da linha de miséria.

Para reverter esse quadro, o plano de governo do presidente eleito vai além dos 4 anos de mandato, indicando que a Argentina necessitaria de mais 35 anos de profundas alterações econômicas, pautados em três etapas estruturais, exemplificadas a seguir:

  • A primeira etapa seria marcada por uma série de reformas, abrangendo: forte redução do gasto público do estado, redução de impostos, flexibilização do mercado de trabalho, abertura ao comércio internacional e liberdade bancária;
  • A segunda etapa trata da redução do déficit fiscal, o que envolve a reforma da previdência, visando a redução dos gastos públicos com pensões e aposentadorias, pelo incentivo da formação de um sistema de previdência privada, juntamente com um programa de aposentadoria voluntária dos funcionários públicos, além da redução do número total de ministérios, dos atuais 18 para 8. Também nesta fase está prevista a redução ou eliminação dos programas sociais, na medida em que o aumento do nível de empregos vier a ocorrer pelo setor privado. A polêmica extinção do Banco Central da Argentina também ocorreria na segunda etapa de reformas, com a adoção do sistema bancário Simons.
  • Por fim, a terceira etapa das reformas se encarregaria de uma profunda revisão dos sistemas de saúde, educacional e da segurança pública.

A extensão da liberdade econômica para a liberdade monetária é uma pretensão que ainda precisa ser mais aprofundada pelo novo governo, que visa estimular os indivíduos a utilizarem as moedas que bem entenderem. A mínima intervenção do estado pode ser ainda levada ao extremo da política monetária com a extinção do Banco Central, colocando o país numa peculiar posição entre as economias mundiais.

Outro ponto de atenção é a previsão do desenvolvimento de usinas nucleares para a geração de energia, ponto sensível para a segurança nacional e regional na América Latina, além de ser de certa forma contraditório com o estímulo à pesquisa e utilização de fontes energia renováveis e limpas.

A reforma trabalhista proposta tende a gerar choques políticos com os sindicatos e partidos de esquerda, a partir da proposta de eliminação das indenizações para as demissões sem justa causa, sendo substituídas por um novo sistema de seguro-desemprego, associado à redução dos encargos patronais e à liberdade de associação sindical.

A plataforma de governo marca ainda seu posicionamento no campo político e ideológico, se apoiando no liberalismo como “respeito irrestrito pelo projeto de vida dos outros, baseado no princípio da não agressão e na defesa do direito à vida, à liberdade e à propriedade privada.”. Esta máxima se observa ao longo das propostas, na medida em que a concepção de um estado mínimo, que se ocupe com as questões básicas associadas à saúde, educação e segurança, estimula os indivíduos e empresas privadas a se ocuparem com as outras áreas, através da meritocracia e esforço pessoal dos indivíduos, de forma que a livre concorrência e a divisão do trabalho propiciem uma cooperação social que resulte em mercados livres, rompendo com o atual modelo econômico do país.

Se os discursos dos palanques e vídeos nas redes sociais serão de fato despachados a partir da Casa Rosada, muito dependerá do esforço e apoio político e social que o novo governo conseguir obter, o que exigirá uma redução dos ânimos para as rodadas de negociação, para que seja alcançado o objetivo de restabelecer as glórias argentinas – “volver a ser el país pujante” – do início dos anos 1900.

À parte do programa econômico, que guarda relação com o plano liberal de Paulo Guedes de 2018, que não foi implementado por questões políticas, Milei tem vários comportamentos radicais e declarações extremas e populistas, e uma apresentação extravagante, quem sabe ao ocupar a Casa Rosada acomoda as ideias dentro do possível.

Aliás, o candidato perdedor, Sergio Massa, é o atual Ministro da Fazenda de orientação peronista; o eleitorado não aceitou o continuísmo, e ele terminou defenestrado. Como se pretende fazer o mesmo no Brasil, colocar o Ministro da Fazenda na sucessão de 2026, embora já derrotado em 2018, talvez o Brasil repita a Argentina, como acontece com frequência.

Como disse seu conterrâneo, o argentino “Che” Guevara, no lado oposto ideológico, “não podemos deixar de exportar o exemplo, porque o exemplo é algo espiritual que ultrapassa fronteiras”. As fronteiras físicas do Brasil com a Argentina são extensas, chegando a 1.261 km, mas as ideias não têm barreiras físicas.

Se o programa der certo na Argentina, certamente o sucesso influenciará as eleições presidenciais brasileiras do domingo 4 de outubro de 2026.